sexta-feira, 19 de abril de 2013

UMA BOA MENTIRA. - Mario Augusto M. Pinto




UMA BOA MENTIRA.
Mario Augusto M. Pinto

Moro quase na divisa de Copacabana com Ipanema e frequento o Jardim de Alá. Sou jornalista free lancer e estou aguardando uma senhora para continuar uma entrevista sobre a agitada vida dela. Sá para registro, essa senhora deve estar na casa dos setenta, é bem posta, alegre e desembaraçada, tem bom gosto, simples no vestir e calçar, é um bom papo e meia coquete.

Aí vem ela:

-Bom dia Dona Berta. Como vai?

-Berta não. Aberta, esqueceu?

-Desculpe, é que o nome...

-Sei, é meio estranho né, mas é assim mesmo.

Jogamos conversa fora por um tempo e aí eu disse:

-A senhora quer continuar o que estava me contando na semana passada ou quer que eu faça perguntas?

-Eu prefiro contar, fazer um resumo e continuar.

-OK. Tudo Bem. Quando quiser pode começar.

E ele contou:

-Faço um resumo do que já lhe contei que é pra recordar: meu pai era alemão, engenheiro ferroviário e veio pra cá fugindo da guerra. Casou-se com minha mãe, brasileira, mas de pais alemães. Lutaram com muita dificuldade. Aqui não havia interesse em construir ferrovias. Já imaginou? Bem, resolveram ir para a Alemanha. Eu, já di maior, não quis ir e fiquei por aqui mesmo, no Rio. Me deixaram um pouco de grana e se mandaram.  Fui morar com umas amigas perto da favela do Pinto. Ali comecei a gostar de roda de samba e virei sambista da Escola. Aprendi uma porção de coisas da malandragem.

Fazia as melhores batidas da Escola. Vendia, mas o problema era receber. Então busquei um lugar pra fazer e vender. Encontrei aqui na edícula e na garagem da casa da Dona Zizi, na Barão da Torre.

-Que Dona Zizi, perguntei.

-Você não conhece? A viúva do Juiz Queiroz. O aluguel da garagem serve pra pagar a ração dos cachorros. Bom, combinei com ela e coloquei uma faixa no portão:  PINGUERIA ABERTA. TRIO POR 50. SEM TROCO. Eram batidas de limão, coco e maracujá. Só. Não fazia outras. Colocava numas garrafinhas bem pequenas de guaraná e só vendia de trio por cinquentão. Era para não ter que dar troco.  No começo foi difícil, mas logo, logo a freguesia aumentou e eu vendia de seis a oito conjuntos por dia. No sábado eram mais de dez. No domingo não vendia. Fui levando a vida, preparava as batidas, punha dinheiro no Banco, dançava na Escola e namorava o Pedro Pedregulho, o melhor cara numa cama e que me fazia gemer na rampa.

-Gemer na rampa? O que é isso?

-Você se lembra do caminhão FeNeMe apelidado de bobão?
-Sim, o que é que tem?

-Era bobão porque não enjeitava carga, mas quando pegava uma subida, ia, mas gemia nhé, nhé, nhé. Então, quando o Pedro fazia amor comigo, na terceira vez de uma só tacada eu gemia alto e ele ria dizendo: geme na rampa amor, geme...que gostosura.

O caso é que fiquei sendo conhecida e vinha homem de todo lado pra dançar comigo, beber minhas batidas e tentar sair comigo.  Nem pensar nesse negócio de cerveja e camarote.

Um dia um cara alto, bonitão pediu pra dançar comigo. No primeiro gingado ví que não entendia nada do riscado. Não acompanhava. Sabe como é? Numa hora ele disse que tinha um amigo que também queria dançar comigo. Disse pra ele mandar o cara vir. Ele me disse: Não precisa falar com ele, basta dançar. O cara veio, branco que nem vela e me foi apresentado Este é o Mister. Dançamos, fiz tudo que podia, segurei ele e tal, mas não adiantou nada. Foi embora dizendo umas coisas que não entendi, mas ficou na cara: foi embora e olhava pra trás; ele gamou, gamou de fraque e cartola, de vez, até o pescoço. Eu tinha certeza... No dia seguinte o pirulão apareceu outra vez junto com o amigo. Eu sabia o que eles queriam, mas querendo disfarçar, o pirulão disse que queria comprar dois trio, um pra cada um. Botou a nota no balcão e disse que queria conversar num lugar tranquilo. Não sou boba nem nada. Levei os dois pra minha Pingueria e fomos pra cima onde era o meu quarto. O grandão disse que o Mister queria ficar a sós comigo; foi embora correndo. O branquela fez sinal que queria dançar. Botei um disco pra tocar, peguei o cara e meti-lhe um ziriguidum que não tinha jeito. O cara ficou maluco. Me apertava, me beijava, me apalpava em todo lugar e eu aguentando. Bem, resumindo a opera, fomos pra cama. Dessa vez eu fiz o cara gemer na rampa. 

Ele queria mais, mas chegou o grandão e disse que precisavam ir embora. Os dois se foram com o branquela falando entusiasmado.  Depois, no balcão, encontrei uma caixinha com um broche bem bonito, Ó, é este. Viu? Contei pra Zizi o que tinha acontecido e ela disse : Não é de estranhar. Com seu jeito, esse corpão e bumbum de sobreloja não há homem que resista.

-Bumbum de sobreloja?  O que é isso, disse eu.

-É coisa do Ziraldo. Ele disse que pra saber se tem ou não bumbum de sobreloja, a mulher deve deitar de bruços na areia, cabeça na direção do sol.  Se a curva do bumbum fizer sombra na parte detrás da coxa, a mulher tem bumbum de sobreloja. Eu tenho ele moreninho do sol e puxo a calcinha do biquíni pra aparecer um pouquinho do branco da pele; fica sexy e bem bonito. Apesar da minha idade os homens não resistem...homem é bobalhão mesmo, não?

Bom, estava na minha vida fazendo trios, bailando, guardando dinheiro, chorando na rampa com o Pedrão quando apareceu de novo o grandão bonitão lá na garagem. Disse que o amigo dele sentia muita saudade e queria me ver. Pra isso faria um cruzeiro no barco dele. Morava fora do Rio, prometia hospedagem completa pelo tempo que eu quisesse, mesada e tudo pago. Era só concordar.

Falei com a Zizi e ela disse pra eu aproveitar, mas que devia ter meu dinheiro pra poder voltar na hora que eu quisesse, ver e aprovar as coisas antes de fazer ou receber, etc.  O grandão veio, dei minhas condições e disse que ia. O cara abriu um sorriso de um quilometro e disse Eu me chamo Toni; sempre que precisar Você pode telefonar pra este numero.  Precisa levar uns trios pro meu amigo. Foi a primeira vez que ele disse o nome dele. O negócio ia começar no estrangeiro, disse ele. Bem viajamos e fomos a Paris. Eu não acreditava, parecia um sonho. Ali eu disse que queria ver um show num teatro muito celebre. Fomos. Moço, tinha um montão de mulher mostrando os peitos e penas e mais penas na cabeça, na cintura e no bumbum, rebolando e cantando musicas muito bonitas. Me lembrei da Virginia Lane do teatro rebolado do Walter Pinto que a gente tinha aqui no Rio. Eu entendia. É. Entendia. Nâo te contei, mas durante um tempão a Zizi me ensinou francês e eu aprendi e falo muito bem.  Eu conhecia a musica. A Zizi me ensinou. Dizia:

J´ai deux amours
Mon pays et Paris
Tralalá, tralalá
Laralá, laralá

Bem, não preciso dizer que o branquela veio ficar comigo. Passamos a nos falar em francês. Me levou pra uma casa dele e disse que eu ia morar ali. Morei um tempão e um dia ele me disse que duas senhoras queriam me conhecer.

Fomos pra casa delas que eu chamava de Casão. As duas senhoras eram muito simpáticas, também falavam Francês e nos demos muito bem desde o primeiro dia. Eu sempre devia chama-las de Madame.

Acabaram os trios. Passei a fazer outros com gim, mas ficava ruim. As duas senhoras sempre muito elegantes não gostaram; delicadamente me disseram: Ça ne va pas. Fiquei chateada. 

Falei pro Toni. Ele disse que sabia onde vendiam a pinga! Ele sabia o nome, o lugar, tudo! Safado, nunca disse nada. Passei a fazer trios de limão, coco e de frutas. Fritava linguicinhas, batatinhas e lulas. Tudo era novidade pra elas e eu caprichava. 

Um dia elas me convidarem pra morar ali, num lugar separado. 

Falei pro Toni perguntar pro Mister. Dias depois ele disse que o Mister concordava. Mudei de mala e cuia pra Casona.

Aos poucos fui me adaptando ao ritma de vida na Casona. Falei pro Toni que sabia quem eles eram, os nomes, tudo. Será que podia chama-los pelos nomes? Recebi um sonoro e retumbante NÃO, NÃO PODE E NUNCA SE ATREVA!!!  Depois dessa fiquei na minha e fui tocando. Dei aulas de samba e ziriguidum pra um monte de gente. Pra ter o que fazer alonguei a quantidade de aulas. Comecei a aprender alemão, a cavalgar e quando disse que queria aprender a jogar polo olharam pra mim como se eu estivesse louca. Imagine!!!

Vários dias da semana a mais moça das duas Madames recebia uns homens e ficava falando muito tempo com eles; lia e assinava papeis. No fim da conversa ela servia chá com uns bolinhos. Um dia ela pediu pra eu ficar na sala e ver como ela servia o chá. Eu fiz e ela me treinou pra servir pra todos, só que o dela devia ter umas gotinhas do trio. Eu servia o chá, os convidados geralmente pediam creme ou leite e no dela eu pingava umas gotas do trio. Ela depois me contou que dizia pros convidados que era um remedinho.

A vida ali continuava sempre no mesmo ritmo e eu comecei a me chatear. Falei pro Toni e logo depois recebi vários convites pra passear de barco ou viajar pra outras cidades. Mesmo assim aquela situação não podia continuar indefinidamente. Era cansativa de tão repetitiva e falei pro Toni que queria voltar pro Brasil. Ele depois me contou que isso provocou um fuzuê danado.  Disseram que iam dar tratos a bola pra minha estadia ser mais alegre.  De fato, se esforçaram: promoveram festas, torneios, passeios, pescarias e outas coisas mais, mas não adiantou. Eu queria voltar pro Brasil. A despedida foi de final de novela: todo mundo triste quase chorando. Foi de amargar. Na verdade eu passei a gostar daquelas pessoas e suas coisas...Voltei ao Brasil e ainda recebo visita do Toni e do Mister. Eles vem meio escondidos.

-Mas Dona Aberta a sua história não terminou assim tão simples, não é mesmo? Há mais  coisas que a Senhora viveu e pode contar.

-É verdade. Tem a historia do cara que se dizia deputado federal
-Conta; essa eu até posso mandar pra Brasilia. Conta,

-Eu estava na Pingueria quando apareceu um cara e, sem cumprimentar, pediu dois trios. Pegou, pagou e foi embora. 

Voltou várias vezes e repetia a mesma coisa: pedia dois trios, pegava, pagava e ia embora, mas havia uma pequena diferença: elejá estava ficando um tempinho antes de ir embora e esse tempinho foi aumentando. Eu pensava: Não vou com a cara dele mas esse cara quer arrastar as asas comigo. Preciso ter a resposta na ponta da língua pra quando ele se manifestar. E chegou o dia:

-Dona Aberta, dois trios, aqui está a grana. Posso lhe pedir uma coisa?

Lá vem ele, pensei eu e disse Claro, o que é?

- Estou sozinho e meio carente. Eu quero convidar a Senhora para passar este fim de semana em Brasilia.

O topete do cara. Claro e direto! Tive que me segurar pra não ir ás fuças dele. Pensa que só por ser deputado pode fazer uma coisa dessas e logo comigo que nunca lhe dei confiança! Faço pilantragem, mas tenho educação e respeito as pessoas. Não misturo com negócios. Tá de acordo?°

-Claro, disse eu. O que a Senhora fez ou disse?

-Disse: Olha, doutor, não vai dar não.

-Por que não? Insistiu ele.

Aí, moço, perdi as estribeiras e gritei: Porque estou de mensalão. 

Pode ir embora que eu não vou. Ele ficou assustado com minha reação e foi embora correndo e cantando pneu.

-Mensalão, Dona Aberta? O que é isso?

-Homem é burro mesmo. A mulher não tem um negócio todo mês?

-Tem. É a mens...

-Não fala!!! Detesto a palavra! Mulher pra mim tem mensalão e pronto! Entendeu?

-Sim, mas o que ele...

-Mas, nada. Você não lê jornais?-Era o cara...Adotou a palavra e não me paga direitos autorais.

-Ora, Dona Aberta. Assim já é pedir demais.

-Pode até ser, mas não concordo. Olha, preciso ir preparar os trios pra amanhã ganhar um dinheirinho. Tcháu, muito prazer.

-Dona Aberta, Dona Aberta, disse eu, vamos marcar novo encontro pra Senhora me contar mais coisas e eu publico tudo de uma vez só.

-Não vale a pena, moço. Vão dizer que é história, invencionice. Não cai nessa. É uma fria.

Quem vai acreditar na sua entrevista com uma sambista que servia batidas pras velhinhas,...  Ninguém...E com isso foi-se embora.

Não publiquei nada, mas passei a tomar o Trio Aberta de Batidas.

Mario Augusto Machado Pinto                               19-04-2.013


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