quarta-feira, 27 de março de 2013

Uma agenda muito usada no balcão do café - Mario Augusto M. Pinto




Uma agenda muito usada no balcão do café 

Mario Augusto Machado Pinto

Era um dia de chuvisco, aquele com a marca registrada paulistana quando a gente só quer tomar bebida quente, mas não pode ser muito quente senão queima a língua. À noite só fondue e vinho com canela ou gengibre? Pois é, esse era o dia.

-Bom, vou indo “seu” André. Até mais.

-Espera aí. Toma mais um cafezinho pra esquentar. Está frio pra caramba.

-Um cafezinho até que vai bem - disse agradecendo.

Enquanto esperava pelo cafezinho fiquei olhando em volta. Reconheci vários frequentadores, aqueles habitués  jogadores de escopa.

Havia aquele casal de funcionários públicos aposentados,  ele lia o jornal; ela fazia tricô, afinal estava fazendo frio; um senhor de aparência bastante idosa, barba e cabelos brancos que não viam o barbeiro há secula seculorum que fez um sinal me cumprimentando ; o entregador de jornais que já entregara todos, um coletor de apostas de jogo do bicho, o vendedor de abacaxi e uns estudantes fazendo algazarra.   E para minha surpresa, bem ali do meu lado encima do balcão,  uma agenda com capa acinzentada que já havia sido preta.

Peguei-a , olhei em volta outra vez, abri na página inicial,  para saber de quem era. Nada escrito,  só um borrão que parecia ser batom.

Comecei a folhear e a ler algumas das anotações diárias escritas numa boa caligrafia.  Li mais atentamente e notei a variedade de assuntos e fatos anotados sucintamente e opiniões quase que lacônicas sobre pessoas com nome e tudo.

Era assim: dia e hora tais. O Dr. Agnelo se queixou da família. Ficou contente porque tudo funcionou bem.   

Outro dia e hora: o dono do armazém disse que vai aumentar o preço das coisas por causa da inflação. Conversou bastante. Eu quase dormi.

No dia assinalado em vermelho como sendo o de N.S. Aparecida: os romeiros ficam olhando; é muito desagradável. Rezei e dei no pé.

Outra: a Filô quer sair, mas eu não gosto dela. Não adiantou insistir, não saí.

E havia anotações diárias até chegar ao dia de hoje.

Na folha do último dia de cada mês havia um registro de valores e totais semanais. Deviam ser anotações  de comissões sobre vendas ou algo parecido porque eram valores quase sempre iguais. Era uma soma bem boa, diria até elevada.

O Seu André colocou o cafezinho na minha frente e eu aproveitei para perguntar:

-O Sr. sabe de quem é esta agenda que encontrei aqui  em  cima  do balcão?

-Deixe-me ver. Ahn, é daquela moça que saiu daqui com o juiz de futebol.
Boazuda. Não reparou, não? Deixa aí que ela pega quando voltar. Isso acontece sempre. Ela diz que é para proteger os clientes...

-Daqui? Isso nunca aconteceu comigo.

-Não tenha pressa, disse o “seu” André. Você vai cair na rede quando menos esperar, feito peixinho e não vai reclamar.

-Tchau, tchau. Olha “seu” André, eu gosto de café, não sou peixinho não, mas vai que num dia sem querer eu deite na rede -  falei já indo embora.

É –  pensei –  será que uma aventurazinha não iria bem? Pode ser, podia acontecer. Faz tanto tempo que não muda nada; não acontece nada, é sempre  mesmo reme reme. Vai de eu gostar... Ra, Ra, Ra, deixa pra lá, cara! O trabalho te espera e o chefinho também. É isso aí.


Mario Augusto Machado Pinto                     Março 2.013
marioamp@terra.com.br

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