quarta-feira, 27 de março de 2013

A máscara veneziana - Suzana da Cunha Lima


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A MÁSCARA VENEZIANA (05/02/2013)
Suzana da Cunha Lima

Cheguei bem cansada do trabalho naquela tarde chuvosa.  Mas não tive tempo para descansar; ia viajar bem cedo para o Rio de Janeiro no dia seguinte e precisava fazer uma pequena mala para  os dois dias que ia passar lá. Eu ia prestigiar as bodas de prata de uma afilhada muito querida.

Procurei no maleiro uma sacola pouco usada que eu trouxera da Itália. Estava praticamente nova e ainda com a etiqueta de Veneza. Olhei-a pensativamente, enquanto passava um paninho para tirar a poeira. Nisso, meus dedos sentiram algo embaixo do forro, o que seria? Descolei um pouco a seda e ela surgiu: uma máscara! Uma bela e rica máscara veneziana, dormindo aquele tempo todo na valise, esquecida em cima do armário!

Apertei-a contra o peito, quase chorando, enquanto meu pensamento voava até aquele ano distante, vinte anos passados, na minha primeira viagem à Itália. Milão! Eu sabia tudo sobre a Catedral.  Tinha cinco naves sendo a mais alta com 45 metros e podia abrigar 40.000 pessoas. Eu viajava com duas amigas e mal chegamos, largamos tudo no Hotel e fomos a pé, procurando aquela maravilha gótica.  Ainda lembro da emoção quando a vi, já o sol se pondo, majestosa e única naquela praça. Não parecia uma construção feita por homens.  Fui até à porta entalhada e quase me ajoelhei ali mesmo, diante de sua imponência.  Senti-me como uma serva diante de  uma Rainha.

Quedei-me ali, aparvalhada, nem acreditando que estava lá mesmo, minhas mãos acariciando de leve os entalhes daquela porta magnífica, quando alguém sussurrou ao meu ouvido.

- Primeira vez na Itália?

Olhei quase zangada para o homem que acabava de quebrar aquele momento mágico.
– Eu lhe conheço?

- Ainda não, Giuseppe às suas ordens. – respondeu ele, brincalhão, como se estivesse acostumado às emoções de quem via a Duomo pela primeira vez. – Sou guia, falo bem sua língua e conheço a Itália como ninguém.  Não vai ficar só em Milano, não é?

- Puxa, você me tirou do sério agora, sr. Giuseppe.  Quebrou o encanto.

- Ah, vai ainda ver muitas coisas que vão lhe tirar o fôlego, mocinha.  Vamos fazer como o pessoal daqui e sentar numa daquelas mesas para apreciar melhor a Catedral, em outra perspectiva?

Olhei em volta e vi minhas duas amigas já acomodadas mais adiante, tentando se comunicar com um moço alto, naquele italiano rudimentar  que havíamos aprendido em finais de semana, para fazer a viagem de nossos sonhos.

- Tudo bem, concordei meio relutante – como você sabe tão bem português?

- Morei em São Paulo quase vinte anos. Pais italianos, imigrantes.  Quando fiz a maioridade, decidi conhecer minha terra natal, reatar com os familiares que aqui ficaram.  Era para eu ficar um mês, estou aqui há trinta anos e não pretendo voltar.

- E como você ganha a vida, sr. Giuseppe? Sendo guia?

- Ah, faço muitas coisas, mocinha e que não vem ao caso. Mas sou apaixonado por esta terra.  Sou guia sim,  mas ganho mesmo a vida em  restauração de obras de arte. Trabalho delicado que me faz viajar na história e sentimentos dos homens.

Uma frase assim tão bonita e significativa me arrepiou toda e amoleceu minha resistência a falar com estranhos. Achamos uma mesa,  sentamos, pedimos um cappuccino.

- Conhece Venice? Perguntou ele abruptamente.

- Nunca vim a Itália – respondi quase lamentosamente. - Cheguei hoje, ainda estou sentindo os efeitos do fuso horário e mais ainda a emoção de tanta beleza que estou vendo. - sorvi devagar o capuccino –  minha primeira escolha foi Milão, estudei muito sobre esta cidade, a Duomo, a Galeria Vitório Emanuel II e tantos outros monumentos. Mas claro que pensamos em ir também a Roma, Florença e Napolis. Só temos doze dias.

- Esqueça Napolis. Veneza vale dez vezes mais. Eu levo vocês lá, com o maior prazer e o menor preço – disse ele rindo e foi aí que reparei como tinha um riso bom, que iluminava toda sua fisionomia.

Meu coração se apertava àquelas lembranças enquanto ia colocando minhas coisas na valise. A máscara estava lá, em cima de um travesseiro e parecia até uma pessoa me olhando.

Depois de perambular por Milão uns dois dias, resolvemos ir logo para Veneza, devido à insistência de Giuseppe. Fui pesquisar um pouco desta cidade tão conhecida, para não chegar lá sem saber de nada. Veneza das 118 ilhas, 177 canais, mais de 400 pontes, onde parece que o romantismo fincou pé e não se arredou mais. Andamos de vaporetto, como fazem os venezianos e Giuseppe nos mostrou tudo, inclusive lindos recantos que não estão na rota dos turistas. Conhecemos Veneza como jamais sonhamos, uma cidade nas águas, onde não se anda a pé nem de carro e que possui reflexos inusitados do sol nos canais,  ao amanhecer e anoitecer.

Até que um dia, bem no sábado de Carnaval, minhas amigas, cansadas de tanto andar  resolveram almoçar no hotel e descansar um pouco. Queriam estar em forma à noite, para o grande Baile de Máscaras que o próprio hotel ia oferecer.  Mas Giuseppe, nem sei como, me enfeitiçou de tal maneira que eu nem me conhecia mais. Aquela professora de História circunspeta, que saíra do Brasil imaginando  fazer um curso de artes enquanto treinava seu italiano, não existia mais. Estava alegre, solta e com uma energia que eu nem sabia que possuía. Assim, ele praticamente me raptou para o que chamou de uma aventura veneziana.
Giuseppe me levou ao lado charmoso e boêmio de Veneza, que só os moradores conhecem. Andamos de gôndola ao luar, passeamos de mãos dadas na Praça São Marcos e foi ali mesmo que ele me beijou pela primeira vez, cercados de pombos e magia.

Estávamos nos aproximando perigosamente da linha que separa o cliente do profissional. Ríamos por qualquer bobagem, olhávamos um para o outro com um misto de curiosidade e desejo, e a vontade de estar junto e se tocar ia sempre crescendo.

Não fomos ao Baile do Hotel naquela noite. Ele me levou ao carnaval de rua de Veneza, comprou máscaras e serpentinas e  assim, como crianças travessas, fomos  nos juntar aos blocos que passavam. As pessoas portavam máscaras de todo tipo, a maioria bem brancas, alguns chapéus de três pontas e lindas roupagens, reportando aos costumes da Idade Média.  Giuseppe explicou-me que a idéia original do carnaval era se disfarçar para não ser reconhecido e se permitir assim toda sorte de liberdades e orgias, antes do período de privações e jejuns da Quaresma. Uma espécie de histeria coletiva onde se misturavam nobres e camponeses, ninguém sabendo quem o outro era.  Hoje em dia, disse ele, estes adereços são usados somente para relembrar aqueles tempos, ninguém precisa se disfarçar e não existem mais nobres nem camponeses, pelo menos como eram naquela época. Todos querem mesmo é se divertir e foi o que fizemos, misturados àquelas pessoas. Bebemos, rimos, nos abraçamos e beijamos e a noite foi passando como um filme mágico e já nem sei como acabamos fazendo amor na madrugada enluarada, num  pequeno quarto com vista para a ponte dos Desejos.

Acordei surpresa ao me ver num lugar desconhecido e com um belo homem mascarado a me olhar sorrindo, como se tudo aquilo fizesse parte do trabalho de um guia.

- Serviço completo, madame. Já providenciei uma lancha para lhe levar ao Hotel. Estará aqui em meia hora, está bem?  Eu preciso voltar, tenho um trabalho a fazer.  Aqui está meu cartão, telefone quando quiser, me recomende aos seus amigos.  Deixo a máscara  para você não me esquecer jamais.

 Retirou-a do rosto, colocando-a perto de mim, no travesseiro, beijou meus lábios com delicadeza e encaminhou-se para a porta, me enviando um beijo na ponta dos dedos:

- Arriverdecci, bela ragazza!

E eu fiquei ali, quase em estado de choque, nua, debaixo dos lençóis de uma cama estranha,  junto àquela máscara que parecia estar olhando para mim.

Tudo aquilo me veio à cabeça enquanto acabava de arrumar minhas coisas. Fechei a valise e deixei as lágrimas correrem livremente, porém me sentindo abençoada com um tipo de lembranças de férias tão incomum. Giuseppe parecia estar atrás daquela bela máscara, deitado  no travesseiro,  olhando para mim, com aquele jeito brincalhão que tanto tinha me encantado. A máscara cumpriu lindamente sua missão, pois eu nunca esqueci minha aventura na bela Itália,  apesar do tempo passado. Este é o feitiço da máscara veneziana.



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Suzana da Cunha Lima




AULA EXPERIMENTAL




Mario  (05/12//2012)

Ontem fui ao cinema ver um filme francês muito bem comentado. E qual a minha surpresa quando reparei que uma das personagens era parecida com você.

Uma semelhança notável, (esta vírgula não se aplica) no porte, no falar e na risada. Igual à sua. Você voltou a filmar? Se voltou, está de parabéns. Ganhamos um sério candidato ao Oscar de melhor ator.

Abraço Suzana

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Suzana da Cunha Lima

Querida Gisele (05/12/2012

Que bom que ao menos um filme fez você recordar de mim. Já não nos vemos há tanto tempo, mas você pertence a uma parte muito importante da minha história e conhece minha vida como ninguém. Acho que era uma das poucas pessoas que sabiam minha paixão pelo teatro e cinema. Mas   casada não dava para tentar esta carreira, não é? Então, eram tantas as amarras do meu casamento que resolvi me separar. Temos só esta vida e eu queria desenvolver algo diferente em mim. Sai do Brasil e fui a N. Y.  Consegui entrar no Actor’s Studio e posso dizer que, para me sustentar, ralei muito.

Mas aos poucos foram aparecendo pequenos papéis, alguma propaganda e fiquei conhecida. Dez anos nisso, querida amiga e minha chance chegou!

Precisavam de alguém com minha idade, meu tipo físico e minha risada! Já pensou? Agarrei com unhas e dentes, dei o meu melhor  e agora, creio, tenho já uma posição neste mercado.

Então, minha querida, era eu mesma ali na tela fazendo o que hoje sei fazer melhor! Artista de cinema!

Venha me visitar um dia para passarmos todas estas aventuras a limpo.

Beijos

Suzana
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