Cena da Infância.
Mario A. M. Pinto
Logo cedo, meu pai, antes de ir trabalhar sempre lê as manchetes do jornal e separa os cadernos, deixa todos arrumados em cima da mesa onde tomamos o café da manhã, mas hoje o jornal não foi usado.
Ele não leu. Estranho. Leio a parte de cima da primeira página com uma foto que chama a atenção para a notícia da passagem de um tal de Zeppelin por aqui ao redor das duas da tarde e que depois vai para Florianópolis. O tal do Zeppelin parece um charuto.
-Mannhee, o jornal diz que um tal de Zeppelin vai passar aqui hoje lá pelas duas. Vamos ver?
-O Zeppelin alemão? Lembra que eu te falei dele no outro dia? Não sei não. Acho difícil, mas em todo caso vamos esperar. Falta pouco.
-Ele passa alto?
-Deve passar.
Corro ao escritório procurando a lente de aumento na escrivaninha do meu pai.
-Menino, o que você está fazendo?
-Buscando a lente do pai. Não está no tampo. Numa gaveta? Onde? Ahhh, achei.
Saio correndo pra fora de casa e minha mãe diz pra eu ficar só na calçada. Fico, e enquanto o charutão não vêm, com a lente olho o crucifixo no alto da igreja, vejo o seu Joaquim do armazém, a dona Floripes que o meu pai diz que é do clube das fofoqueiras, e a garotada do outro quarteirão, os inimigos. De repente ouvi um zumbido bem forte. Era o bicharoco, o charutão alemão.
-Caramba! Puxa vida! Mannhee, vem ver! Corre! Olha só como é grande! É grannnde!
E o charutão passa zumbindo, meio devagar. Dá pra olhar bem. É bonito, brilhante...
-Nossa! Como é que fica lá em cima? Olha, olha, jogaram alguma coisa. É um pano! Menino fica aqui!
Que fica nada. Eu quero o pano. Corri bastante; os inimigos chegaram antes e pegaram primeiro.
-Japa, ajuda aqui! Macacada, não adianta puxar...Zeca, sai pra lá... Assim vai rasgar...rasgou...tô com um pedaço, Japa, pega o teu e vamos embora. Bota sebo nas canelas e corre, corre, pernas pra que eu te quero!
Minha mãe berra: menino, volta aqui já, já; anda menino, corre, vem logo! E eu corro com uns inimigos atrás de mim querendo me pegar por causa da invasão do território deles, mas eu corro mais e eles desistem no limite do quarteirão. Fico com o pedaço de pano, pequenininho, é verdade, mas é meu e eu é que consegui pegar. Mostro pra minha mãe.
-Vê mannhee, é vermelho, branco e tem um risco preto. Toma, é seu, de presente!
-Não, fica pra você...
-Que nada!
-Tá bom. Mostra pro teu pai quando ele chegar.
- Mostro.
-Olha, pai, um pedaço de pano do charutão.
-Charutão?
-...do tal do Zeppelin; eu consegui. Dei de presente pra mãe.
Conto o que aconteceu e espero uma bruta bronca.
Não tem zanga...ele quer pegar o paninho!!!
-Deixa ver. Parabéns.
-Paulo, Paulinho, o jantar tá na mesa.
-Tá bem. Paulinho, pega a lente e coloca no lugar e vem comer.
Nossa, que alívio! O pai não ficou zangado. Isso me deu uma baita duma fome. Minha mãe disse que a corrida dos inimigos me fez bem. Abriu meu apetite.
-Come, menino. Come che te fá benne.
E eu comi pra chuchu.
Mario
ResponderExcluirVocê conseguiu colocar num texto coloquial muito saboroso, um passado encantador, no tempo do Zepellin, veja só. E sem se estender mais do que devia. Parabéns, Suzana