segunda-feira, 20 de maio de 2013

CONTO: A conselho do marido - Artur Azevedo

Artur Azevedo - A Conselho do marido:



A CONSELHO DO MARIDO
Artur de Azevedo

Estamos a bordo de um grande paquete da Messagéries Maritimes, em pleno Atlântico, entre os dois hemisférios. Dois passageiros, que embarcaram no Rio de Janeiro, um de quarenta e outro de vinte e cinco anos, conversam animadamente, sentados ambos nas suas cadeiras de bordo.

- Pois é como lhe digo, meu amiguinho! - dizia o passageiro de quarenta anos - o homem, todas as vezes que é provocado pela mulher, seja a mulher quem for, deve mostrar que é homem! Do contrário, arrisca-se a uma vingança! O caso da mulher de Putifar reproduz-se todos os dias!

- E se o marido for nosso amigo?

- Se o marido for nosso amigo, maior perigo corremos fazendo como José do Egito.

- O que você está dizendo é simplesmente horrível!

- Talvez, mas o que é preferível: ser amante da mulher de um amigo sem que este o saiba, ou passar aos olhos dele por amante dela sem o ser, em risco de pagar com a vida um crime que não praticou?

- Acha então que temos o direito sobre a mulher do próximo...?

- Desde que a mulher do próximo nos provoque. Se o próximo é nosso amigo, paciência! Não se casasse com uma mulher assim! Olhe, eu estou perfeitamente tranqüilo a respeito da Mariquinhas! Trouxe-a comigo nesta viagem porque ela quis vir; se quisesse ficar no Rio de Janeiro teria ficado e eu estaria da mesma forma tranqüilo.

- Mas o grande caso é que se um dia algum dos seus amigos...

- Desse susto não bebo água. Já um deles pretendeu conquistá-la... chegou a persegui-la... Ela foi obrigada a dizer-mo para se ver livre dele... Dei um escândalo! Meti-lhe a bengala em plena Rua do Ouvidor!

Dizendo isto, o passageiro de quarenta anos fechou os olhos, e pouco depois deixava cair o livro que tinha na mão: dormia. Dormia, e aqueles sonos de bordo, antes do jantar, duravam pelo menos duas horas.

O passageiro de vinte e cinco anos ergueu-se e desceu ao compartimento do paquete onde ficava o seu camarote.

Bateu levemente à porta. Abriu-lhe uma linda mulher que se lançou nos seus braços. Era a Mariquinhas.

- Então? - perguntou ela - consultaste meu marido?

- Consultei...

- Que te disse ele?

- Aconselhou-me a que não fizesse como José do Egito. Amigos, amigos, mulheres à parte.

E o passageiro de vinte e cinco anos correu cautelosamente o ferrolho do camarote.



O PEQUENO PRÍNCIPE - AUDIOBOOK

O  Pequeno Príncipe - (parcial) Obra de Saint Exupèry

Arranje um tempo e dedique a esta audição. Você vai ganhar o dia!

Voz de Paulo Autran
Música de Tom Jobim


Vendedor Ambulante - Vera Lambiasi




Vendedor Ambulante
Vera Lambiasi


Alameda Gabriel Monteiro da Silva, anos 70.

Supermercado Sirva-se! Nome sugestivo, como se tudo fosse de graça. Só pegar e levar. Bela jogada de marketing, pois na verdade era bem carinho, comparado ao Mercado de Pinheiros.

Brunella Doces, point da moçada nas tardes iluminadas. Bomba de chocolate, torta de morango e o recém-descoberto fenômeno dos paulistanos endinheirados : sorvete de crocante!

E lá no meio-fio, alheio aos modismos da rua, Agenor! O tio do cachorro quente e seu carrinho, Dogão!

Meninas do Colégio Madre Alix, com suas saias que deveriam estar abaixo do joelho, correm ao seu encontro, a procura de um alimento descontraído.

Ah, essas saias, pensa seu Agenor, com singelo respeito.

Lembra-se de certa vez que a madre superiora desfez a barra assanhada da aluna atrevida. Chegou ao seu encontro com olhos lacrimosos, como uma injustiçada, e ele lhe ofereceu um Completão : 2 wieners, purê, molho, catchup, mostarda e maionese.

Semana seguinte, lá estava a menina modernosa com a barra feita, como manda o figurino freiral, mas com a saia toda enrolada no cós.
        Como controlar essa mocidade ?     
Dizia ele num queixume.

Agenor começou sua carreira de homem do hot dog em Curitiba, por isso referia-se à salsicha como wiener. E era VIP de origem! Vim do Interior do Paraná.

Contava divertidas histórias de paulistas, que quando perguntados se queriam uma ou duas wieners no sanduíche, respondiam que não queriam esse troço não. Entregues sem salsicha, vinham as reclamações. E quantas gargalhadas!

Lá pelos anos 90, seu carrinho foi roubado, e qual não foi sua surpresa ao ver os comerciantes, da já agitada Gabriel das lojas de decorações, se cotizarem e lhe comprarem um novo, último tipo!

Seu Agenor continua lá, com novidades! Entrou no ramo das batatas suíças, moda trazida do seu amigo Beto Batata, de Curitiba.

As saias das meninas saíram de cena e deram lugar aos jeans esfarrapados.

Até parecem aquela barra toda desfiada pela madre num dia de fúria!

JUDITH CARDOSO - IMPROVISO

VENDEDOR AMBULANTE - Mario Augusto M. Pinto




VENDEDOR AMBULANTE
Mario Augusto M. Pinto


Fuad estava cansado da sua vida repetitiva, rotineira de vários anos no Amazonas: acordar, fazer sua higiene matinal quando possível, vestir-se, engolir o café, dependurar as malas nos ombros e sair pelas ruas e rios, verdadeiros desertos líquidos buscando compradores para os produtos que tinha para vender. Era como assistir diariamente ao mesmo filme, sempre em preto e branco e mais alguns tons de cinza.

Escreveu ao seu tio Farid, de São Paulo, explicando sua situação e sentimento. Não aguentava mais o chamarem de turco da prestação, as desfeitas das moças, a gozação dos homens e a recusa das quengas em estar com ele – era libanês, falava francês, árabe e bastante do idioma ribeirinho. Não conseguia entender o porquê da recusa geral das mulheres comprarem seus produtos. Estava ansioso e aguardava resposta a qualquer momento.

Hoje, com seu tríplice idioma conseguiu falar com a mocinha Juriti, verdadeira perola engastada na região e pediu que ela lhe explicasse a situação. A conversa, difícil, era como trem que ia e voltava de uma estação para outra, resfolegando, derrapando pelos trilhos que levavam para um horizonte lindo na confusão feérica de suas cores.

Ela lhe disse que todos gostavam muito dele, mas depois de tanto ele dizer inch alá, as mulheres começaram a ficar ofendidas. Achavam que ele estava cada vez mais atrevido.

-Atrebido? Landinia lê! Que atrevido lê? Euô? Nunca! disse Fuad.

-É verdade seo Fuad. Quando as muié diz que vão comprá mais no mêis qui vem, ocê cruza os braço no peito e diz prelas incha lá, pra inchá os peito delas! Elas num gosta!

-Muié intendi nada! Alah, Deus. Fuad diz si Deus quêr!!!  Juruti, fia, exbrica prelas, vai, exbrica.

Depois das devidas explicações feitas por Juriti, aumentaram as vendas e Fuad sentiu-se melhor, podia flanar durante o fim de tarde nos igarapés e qual Dionísio mirar sua imagem refletida nas águas límpidas esverdeadas.

Para agradecer aos compradores, agora, no inicio de cada venda falava Bom Dia em árabe que seus fregueses entendiam assim Kifa, mabsut, lê! e sorria satisfeito. Ficava animado e vendia melhor. Não se sentia mais como camelo transsaariano carregando o mundo às costas buscando oásis de ternura e felicidade.

Quando chegou a carta com a resposta do tio Farid dizendo que as coisas estavam difíceis em São Paulo ele respondeu que então ficaria pelo Amazonas mesmo e agradeceu muito.

Sair dali? Nem amarrado! Ele agora assistia a filmes com cores diferentes. Já estava até com uma quenga fixa...inch Alá... para sempre, que ninguém é de ferro.        


Descobertas Literárias - Vera Lambiasi



Descobertas Literárias
Vera Lambiasi

A Biblioteca do clube é igual ao Ortocity, um pronto socorro de fraturas perto de casa. Você passa para pedir informação, levanta o dedo para perguntar e eles já te engessam a mão! O Marco do Clube é assim, você dá uma passadinha para perguntar alguma coisa e ele já te inscreve em qualquer curso.

Mas, desta vez foi fantástico porque fui cair num Café Literário e conhecer a professora Ana Maria Maruggi. O Café Literário aconteceu na Biblioteca do Clube, lugar que frequento há anos e a vejo sempre às moscas.

Estou frequentando a Oficina de Textos. Como sabem, escrevo um bocado, e, como diz o velho ditado, juntou a fome com vontade de comer. Ana comanda a oficina fazendo fluir ideias e estimulando nossa criatividade, e já começou a me ajudar com os meus.

Fiquei encantada com a turma. Senhores experientes na vida, escrevendo pela primeira vez. Seu Mario, por exemplo, já meu velho conhecido da academia de ginástica,  contando como seus escritos preenchem seu dia agora, confirmou minha impressão de que as crônicas se escrevem sozinhas. Vem um insight, a ideia fica martelando o dia todo, e quando pega a caneta jorra tudo. Você está refém da história e não consegue parar de contar.

Curti demais! E é vida real, Facebookenses !

HISTÓRIA DE VENDEDOR AMBULANTE - Oswaldo Romano




HISTÓRIA DE VENDEDOR AMBULANTE...
Oswaldo Romano    
                                              
            Viagens dos Caixeiros Viajantes pesam no folclore do interior. São  tantas histórias e muitas reais que até jumentos eram valorizados depois de prestarem serviços aos Salehs e Salins.  Os seresteiros criaram contos e cantos populares sobre eles, tornou-se raro um violeiro não compor mais de uma toada. Umas alegres, outras tristes como a história do Georginho que precisou ficar uma noite na cidade.           George durante o dia completou suas vendas. Alguns produtos ele tinha para pronta entrega, outros traria na próxima estada. Foi-lhe dito que aproveitasse a noite, pois haveria um baile ali no sítio próximo. Arrumou-se, e lá chegando postou-se de pé junto à pista de dança, inibido, pois não conhecia ninguém.

            O arrasta pé corria solto ao som da sanfona oito-baixos, violas tinindo no brilho e no som, violões vibravam. Ele, um vendedor ambulante, era um bom papo, mas ali sentiu-se um rejeitado. Preparava-se para ir embora, quando entra uma bonita e perfumada mulher que lhe esbarrando deixou cair seu molho de chaves. Gentilmente George apanhou-o e ao lhe entregar, ficou impressionado com seus lindos traços. Mudo, os olhares se cruzaram. Dançaram a noite toda. Inebriado, marcou um próximo encontro frente à matriz. Quis leva-la para casa, ela não permitiu, mas aceitou sua capa porque estava frio e garoando.

            No dia marcado, nosso vendedor ambulante esquecendo outros compromissos, lá estava ansioso esperando-a. Mas, ela não veio! Louco, saiu a sua procura junto às lojas conhecidas, nada sabiam, a não ser um velho que surgiu do nada e disse: — Venha comigo. Levou-o por um caminho arenoso até o cemitério e antes de retirar-se apontou um tumulo dizendo: Lá tem uma foto no totem com os traços da mulher que procura. George vacilou, desconfiou, mas foi. Era ela! Ficou estático, pasmado! Olhou para o céu, cerrou os olhos, questionou Deus!  Abriu os olhos, olhou para a cruz fixa no alto do totem, e nela viu a capa pendurada. Coitado, depois dessa evitou voltar das vendas a noite, mesmo a cavalo.

                        Na verdade o que eu queria era  contar a minha experiência como vendedor ambulante.

            Quando estudante noturno aprendi fazer perfumes com uma mulher.  Ela vendia frascos desse produto próximo do colégio. Não me lembro  às claras de  como consegui “a receita”... Mas, lembro-me que descemos até o bar do Quincas, onde lhe paguei um sanduíche e lhe ofereci um disco do irmão do Quincas, Nelson Gonçalves. Quincas, o dono, gravava  fados, Nelson... Saudades... O bar tinha um clima agradável, melodioso.

            Em poucos dias, eu produzia os mesmos produtos. Com um assistente, assíduo da porta do bar, nos separando vendíamos os perfumes. Ele quase sempre tocando campainhas, e oferecendo às empregadas. Meus fregueses eram alunos e professores. Os rótulos mais vendidos: STUDENT, TOUCH, RICH.

Mal acreditava. Ate o diretor do colégio apreciava aquelas fragrâncias! E meu vendedor ambulante, usando brincos, boina de pompom, chistoso na época, facilitava o pagamento em até três vezes!

            Qualquer homem arguto, militando como vendedor ambulante pode ficar rico e chegar a dono de uma invejável estação de TV.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

Quando dois meninos se encontram -Oswaldo Romano



QUANDO DOIS MENINOS SE ENCONTRAM
Oswaldo Romano        
                             
            A felicidade ficou estampada no primeiro e uma desconfiança hesitante no segundo. Seus rostos entreolhavam-se tentando descobrir o porquê nascia e  firmava-se ter descoberto uma nova  amizade.

            Uma nova afinidade. Parecia já estar prevista há muito tempo, apenas aguardando aquele momento. Nada de dar as mãos, nada de apresentações, nada de muito prazer. Uma afeição imediata e verdadeira. Nem nomes perguntaram, eles apareceriam depois.

            Diferente dos adultos quando se encontram, mesmo já conhecidos, entra o:

            — Como vai? E ai, tudo bem?

            Na verdade mal ouvem a resposta. Só querem falar de si, e sempre no passado.

            Não foi o que aconteceu com as duas crianças. Só pensavam nos próximos passos.

            — Vamos correr?

            — Começavam a nova amizade correndo. Mal sabiam que essa corrida os acompanharia  o resto da vida. Enfiaram-se pelos corredores, ávidos, descobrindo o incerto, mas contentes com a nova situação.

            Mesmo com o forte sopro dos ventos no rosto, mal respiravam. Estavam felizes, olhavam-se, riam já imaginando aventuras e pedindo que aqueles momentos não acabassem. Tinham muito  que  falar. Ainda não conversaram.
            — Nunca te vi. Você é da escola?

            — Ainda não. Vim ontem do interior. Cravinhos.

            — É bonito lá? Tem muita gente?

            — Não. Aqui é que tem, né? Gente estranha, não dão bola...

            — Quando crescer o que você vai ser?

            — Já sei. Vou ser astronauta. A mãe já concordou. Meu pai vai pagar as despesas. No primeiro voo, prometi levar os dois pro espaço. Muito legal!

            — E você?

            — Eu, jogador. Futebol, vou ser um craque... Ainda é cedo, estou crescendo.

            — Tenho que ir. Eu vou pra casa. Meu nome é Joãozinho e o seu?

            — Marquinho.

            Assim, foi uma amizade de irmãos por alguns anos, quando foram separados pelo destino. As casas seriam demolidas, ali nasceria um grande prédio.
            O tempo envolveu anos, e do presente ao desconhecido futuro não perdoou. Cresceram, ficaram dois homens, montaram famílias, porém nunca mais se viram. Marquinho, agora Sr. Marcos, brevetado, regressou para Cravinhos onde pilota aviões que irrigam plantações com venenos.

            Hoje, voz corrente é que o mundo é pequeno. Por um desses deslocamentos funcionais, Joãozinho, agora Dr. João, alto funcionário da Secretaria da Agricultura, foi transferido para o interior, e gostou muito quando soube ser a cidade de Cravinhos, porque dela tinha uma simpatia adquirida quando conviveu com Marquinho.

            Moral da história: O homem que é feliz com o que conquistou na vida, é um sábio.
            

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Novos participantes

Nossa Oficina ganha novos participantes.
É um grande prazer tê-los conosco!

Vera Lambiasi 
Ela já escreve boas e bem humoradas crônicas do cotidiano familiar, que são postadas no Facebook. Vale à pena ir até lá e conferir.

Lincoln 
Ele já escreve matérias para a Revista Mais.

Vamos nos divertir inventando boas histórias!








4 KM - Barbara de Lara


 

4 KM

Barbara de Lara


Do silêncio do vale escutava-se o gemido compassado do ranger das rodas, que nada se parecia com o gargalhar dos adolescentes  em cima da velha carroça cheia de mochilas.

Era com esse diz que diz que gostoso de todos falando ao mesmo tempo, que à medida em que se aproximava do sítio tornava-se mais forte, anunciando  nossa chegada...  Os afazeres paravam no tempo, dando  lugar a este momento tão esperado que se repetia ano após ano, botas, aventais, rastelos eram substituídos por sorrisos e abraços envolvendo-se num mundo todo especial, de alguma forma.

Ríamos dos gansos, sempre muito temidos pelas bicadas, foram os primeiros a alertar os cachorros de que alguma coisa estava por acontecer, e exaltados latiam abanando o rabo.

A voz de Tio Vicente ecoou: as “gaviotas” chegaram! – Ríamos até poder não mais  por causa da inversão das letras das gaivotas  e seus ruídos estardaçantes. Era algo de muito especial porque sabíamos que era nosso. Só nosso!  Os apelidos nos marcavam, mas  “gaviotas” é sempre lembrado.
   - Gostaram da carroça? Era a Tia Pi, - reformamos para ir buscar vocês.

Mas mesmo com a  reforma ela continuava no seu envelhecer rangendo e balançando a cada giro das rodas mostrando seu cansaço. Mas ela existia!

Este era o ritual de chegada, nada de caminhonete, fusca ou jipe.  Ah, o velho jipe 54 todo verdinho!
Sim, chegávamos ao sítio... Nossos pensamentos soltos a uma velocidade que colocaria qualquer “caipira” de cabelos em pé, se pudesse   vê-los. No entanto estes mesmos pensamentos esbarravam na experiência e sabedoria do viver na natureza. Sim, os primos viviam por lá e jamais sairiam de lá.

O acreditar que tudo fosse possível naqueles 15 hectares tornava o dia mais curioso.     - Humm! Nossa! Como eles estão bonitos! - espiávamos cochichando.   E cada qual logo encontrava a quem se afeiçoar, fosse pela gentileza em  preparar o cavalo, que nos impressionavam porque os pegavam no campo “no pelego” com um assovio. Imagine um assovio e lá estava o bichão,  chegando no galope combinando perfeitamente o frear empinando o cavalo! Só para impressionar, não é? - dizíamos rindo à toa; pelo tirar o leite quentinho, que dava ânsia em ter que experimentar para agradar; pelo nadar no rio em que se penduravam  num cipó e se soltavam ,num momento preciso em meio ao “poção” mergulhando na profundidade do seu saber, aparecendo uns segundos após termos segurado nossa respiração – Ufa! Que alívio!

   - Venham, venham, nos desafiavam... - sempre gostei de ficar na beira dos acontecimentos, observando sentada nas pedras toda aquela brincadeira. Ficavam dentro da água  para prevenir possíveis afogamentos, e as meninas se atiravam no mergulho ingênuo que provocava  certo frenesi no contato de corpo a corpo, que só estas férias proporcionavam. Não eram exímias nadadoras e assim eram obrigadas a se abraçarem, como apoio é claro,  quando emergiam do mergulho – eram muitas risadas e o “de novo” ...e tudo recomeçava e recomeçava, até o sombrear das árvores tornar-se mais denso anunciando o cair da tarde e a volta à realidade com uma voz ecoando pelo vale nos chamava para o lanche.

Embrenhados em meio ao capinzal, pisávamos na ponta dos pés desviando de uma provável cobra, sapo, sei lá mais o que... E,  o som das “gaviotas” se aproximando já sentíamos o cheiro gostoso do pão assado em folhas bananeira e do delicioso bolo de fubá.

   - É dia de ir à Vila!  diz Tia Pi, sentada na beira do sofá após o jantar observando todos bocejarem entre perguntas e respostas do dia a dia de cada um.

Sim!  Era dia de ir à Vila!



MÃOS QUE FALAM - Oswaldo Romano




MÃOS QUE FALAM       
                                       
Oswaldo Romano

         Como é bom ser visitado pela pequena neta. Fiquei emocionado e surpreso com o motivo da sua visita. Estava ansiosa para dizer-me alguma coisa. Percebi, mas propositadamente esquivei-me, ou melhor, fugia da sua iniciativa.

         Fazia isso disfarçadamente, não deixava ela perceber. Por bom tempo consegui desviá-la, sem magoá-la. Ao contrario, todas às vezes lhe oferecia algo como, um docinho que estavam servindo, um refrigerante, moedas para seu porquinho...

         Ai veio a explosão:

         — Para, Vôooo!!! Para!!!, Não vê que quero falar? O senhor não deixa, como diz minha mãe: Não da espaço...

         — Óhooo... Desculpe filha. Adoro ver você falar. Senta aqui no meu colo. Você fala, depois eu falo.

         — Então vô... Tá na bolsa da mamãe...

         — Já sei. Um montão de dinheiro...

         — Vôooo deixe eu falar! Agora o senhor só escuta, tá?

         — Na bolsa da mamãe tem um convite para o senhor. Não fale vô... Já ia falar se era de casamento?... Escuta  vô, é o seguinte: Eu vou apresentar no teatro uma dança. Vou dançar fazendo muitos movimentos com as mãos... Ééé... Espere ai... Mãee, mãaanhe. Como é mesmo o que vou fazer?

         — A dança das mãos, filha.

         — Então vô. A dança das mãos. O vô vai assistir?

         — Claro filha! A dança é maravilhosa! As mãos dançam. Um lindo vestido branco, uma saia curta, rodada, a música de fundo, a ponta dos pés juntinhos, linda como você é, vão aplaudi-la de pé.

         — De pé... vô!     

         — É, pelo menos eu.

         Esmere bem as mãos, trate-as com delicado pó e certamente você vai abafar qualquer Eurípides que se aproxime.

         — O Eurípedes é perigoso vô?

         — Que nada! Gostava muito de mãos, mas as da Eurídice. Morreu ha mais de mil anos antes do Brasil ser descoberto.

         — Coitado!! ...Você vai mesmo, vô?

         — Só se você me jogar uns beijinhos.

         — Tá.   Mãaaanhee.  O vô, vai!

DON DOC, O PIANISTA SUPERSTAR 2 - Mario Augusto M. Pinto


                                                                       

DON DOC, O PIANISTA SUPERSTAR 2                                                                   
Mario Augusto M. Pinto

A rua e a escadaria do teatro estavam lotadas de fãs aguardando a chegada de Don, o pianista-cantor pop star pela primeira vez no Brasil. O barulho era enorme!

A multidão subitamente começou a agitar-se e a gritar É ele, é ele!

Era ele mesmo descendo da limusine com ares e pose de dono e senhor absoluto de tudo e de todos ao seu redor.

Acenou com as mãos enluvadas e entrou no teatro. Foi diretamente ao camarim, fez algumas flexões, bebeu bastante água e depois disse a seus assistentes Vamos! E lá se foi ele.

Ao chegar ao palco foi aplaudido estrondosamente, disse algumas palavras que o sistema de som tornou incompreensíveis, sentou-se ao piano, estalou os dedos das mãos sempre enluvadas, característica sua. Agitou a cabeça desmanchando o penteado e sua bem cuidada cabeleira de ondas revoltas derramou-se pelos ombros.

Tocou os primeiros acordes e soltou a voz para a primeira canção.  Seu corpo tremeu e sentiu que este seria um show espetacular; assim diziam os arrepios que percorriam seu corpo.
Nessa noite, ao tocar, entrou como que em transe e dos aplausos jorrava tal energia e alegria que se sentiu quase levitando.

Ao terminar o show foi aplaudido de pé e teve que tocar e cantar mais duas de suas composições. Os fãs cantavam com ele e pediam mais.

Agradecendo os aplausos, sua figura longilínea dobrava-se qual caniço açoitado por ventos à beira-d´água. Na verdade, era imponente.

Atirou seu casaco para a plateia, erguia seguidamente os braços em agradecimento.  Devido a esses movimentos, caíram suas calças mostrando uma batinha de lamê e mais:  cinta liga e meias rede pretas com ligas enfeitadas com pequenas flores e tapa sexo preto de renda e botas acima dos joelhos A platéia ficou em silêncio por uns momentos até que alguém começou a cantar:

Olha a cabeleira do José
Será que ele é
Será que ele é?
Será que ele é bossa nova
........................................
E o público seguiu cantando em coro. Foi o maior vexame. Assobios, gritos, xingamentos e apupos acompanharam sua saída do palco carregado pelos assistentes e, sem mais, foi diretamente para a limusine.

Nada disse, mas foi-se acenando seu adeus com as mãos já sem luvas.

Mario Augusto Machado Pinto.
marioamp@terra.com.br  

Homenagem para as mães - Oswaldo Romano




Oswaldo Romano

Ofertas de flores e alegrias é o mês
da primavera, e do jubiloso
orgulho do ser ... Mãe.
São horas aguardadas pelos carinhos dos filhos,
na esperança de juntos receberem a benção de Deus.
É hora de valorizar sua felicidade, enquanto muitas mães ficam numa espera do filho impossível de aparecer. Guardam no coração muitas lembranças, imaginando-se culpadas de não ter dado mais abraços, mais amor, segura-lo fortemente apertado junto ao peito, para que não escapasse desta vida.
Às mães que tem filhos ausentes e delas nesse dia se esquecem, fica outro tipo de dor. Uma dor de angustia, liberada somente quando vazam suas lágrimas.
Em maio paira no ar, a sensação da
vida, da reprodução, a franqueza do seu eterno carinho. Carinho reciproco que vem de longe, alguns do além, mas chegam tão vivos que ela pode sentir, como aquele desejado forte e real abraço.
É o mês que tem fragrância, reflete
a imagem do ano, exala o perfume do dia.

-. É HOMENAGEM À MÃE.-

O mês de avaliações, do sentimento,
o mês do nosso primeiro mentor espiritual*.
Parabéns à minha mãe, à sua, e a todas as mães do mundo.
*Frei Galvão

terça-feira, 7 de maio de 2013

O PEIXE VERMELHO TEM ESCAMAS PÚRPURAS - Oswaldo Romano




O PEIXE VERMELHO TEM ESCAMAS PÚRPURAS
Oswaldo Romano
            Quando pescava num grande rio, estava difícil a pega do peixe. Jogava o anzol, arremessava o mais longe que podia na forte esperança de em seguida fazer uma surpresa a minha turma. Um grande rio, um grande peixe, uma grande esperança, foi uma grande desilusão.
            Ficava só na esperança. O sorriso do arremesso era trocado pelo enrugar da boca e o balançar negativo da cabeça.
            — Tudo bem. Essa vez não deu, mas vou continuar tentando.
            Neres de neres, até foi bom. Já estava com dó do peixe. Poderia ser uma indefesa fêmea procurando comida para seus peixinhos, não é?
            Vou arremeter de novo com a possibilidade de fisgar um macho. Esse pelo menos já gozou a vida, fazendo delas gato e sapato.
            — Tenho que ser mais aplicado na pescaria e deixar esse sentimento humano para os humanos. Afinal todo mundo pesca, fazem campeonato, pesam e medem os coitados dos peixes. Garanto:  Jamais pensaram descartar uma fêmea para supostamente ela tratar dos seus filhotes...
            ...E o curioso caso do Cavalo Marinho, você sabia? Que eu saiba, não é normal encontrar cavalo marinho grande para fisgar. Deve haver porque, lulas tem pequenas, médias e gigantes! No meu sentimento seria um grave problema fisgar o Cavalo Marinho: É o macho que engravida! Nada de ovos... Dá a luz! Já nascem filhotes!
            É, é... Só que hoje não estou pegando nada! O caiçara fala mais claro: Não matei nenhum!
            Pouco mais adiante este rio desemboca no mar. Eu e mais um amigo, resolvemos, daremos a volta e chegaremos lá.
            Puxa! Veja como o mar está nervoso! Será que hoje o mar está para peixe?
            Bom, neste ponto eu vou para a direita e você para a esquerda. Troque o anzol. Coloque o de Garoupa, elas habitam esta costeira. As seis, antes do sol cair te espero aqui, tá? Boa sorte.
Entre as pedras rústicas da costeira, colocadas ao Deus dará, perdi uma linhada,  mas compensou, no final tirei uns quatro quilos. Entre eles o Vermelho brilhava ao receber os últimos raios do sol purpurado. Sua carne é saborosa.
            Seis horas! Hora da Ave Maria, música do meu celular,  já espero meu amigo... É pontual lá vem ele, carrega uma fieira de peixes!
            Chegando... Logo observou o Vermelho:
            — Ixe! Um peixe Vermelho! Não lembro ter visto outra coisa igual. Eca!
            — Aí é que você se engana... Sua beleza é esquisita, mas guarda no seu interior uma deliciosa carne. Você está convidado a ir conhecê-la amanhã em casa, na janta. Você vai? Não se obriga. Você vai se quiser...
            — Ora se vou!  Mas... Primeiro vamos dar o fora daqui. Quem come agora são os borrachudos. Não respeitam nem um cara como eu, um exímio pescador. *